Suponhamos que tem 42 anos. E trabalha nestas coisas dos computadores há 18. Terá, por hipótese, aquela formação que se costuma designar por "Frequência Universitária" e passou portanto pelo caldeirão das crises académicas dos anos 60.
Os primeiros manuais que lhe meteram na mão foram, provavelmente, ainda os referentes ao "material clássico", máquinas devoradoras de cartões perfurados que os separavam, ordenavam, e totalizavam valores neles contidos.
Esta coisa dos cartões perfurados é já dificil de explicar aos filhos mas os mais velhos ainda se lembram concerteza dos rectangulos de cartolina, cheios de furos, em que lhes chegava a conta da luz.
A programação nesses tempos era uma especie de tricot feito com fios que se emaranhavam disputando uma matriz de orifícios que davam aos painéis um ar de favos metálicos.
Os operadores eram rapazes robustos que passavam horas manipulando milhares de cartões que manuseavam como acrobáticos jogadores de cartas num jogo de milhares de baralhos. Os cartões andavam numa roda-viva da separadora para a ordenadora e daí para a tabuladora num circuito só interrompido pela catástrofe de uma temida queda. Os operadores trajavam uma incompreensível bata branca.
A tecnologia deu um salto e os programas passaram a residir na memória dos computadores. O tricot agora passara para a escolha das instruções dos programas que tinham que caber em memórias tão pequenas que fariam rir os nossos ases do "Spectrum".
Depois vieram os suportes magnéticos para os dados; primeiro as bandas depois os discos e por fim as diskettes. Foi uma revolução e um drama. A informação deixou de estar ao alcance da vista (já não era possivel pregar a partida aos novatos de os mandar procurar aquele "8" perfurado por engano e que era preciso colar no respectivo buraco do cartão).
Mas as máquinas eram mastodonticas e só atendiam um utilizador de cada vez.
Formavam-se bichas e havia discussões pois que a falta de uma virgula obrigava a mais uma hora de compilação do colega anterior. Ninguem se atrevia a fazer planos mais rigorosos do que ao nível dos dias ou das semanas.
Por isso foram bombásticas as primeiras experiências de "spooling". Já era possivel isolar as morosas operações de entrada e de saída do trabalho própriamente dito. As unidades de leitura e as impressoras trabalhavam dia e noite independentes das operações de calculo e agora a luta centrava-se à volta da posição de cada um nas filas de espera de leitura e impressão. Também apareceu um novo cataclismo que consistia no misterioso desaparecimento do nosso mapa que deveria estar no meio da enxurrada despejada pela impressora durante a noite passada.
O salto seguinte teve a ver com os sistemas multiposto com todas as preplexidades resultantes de tentar perceber a lógica que a máquina usava para atender as multiplas solicitações. A guerra transferiu-se para a aquisição de prioridades no atendimento pelo sistema. Os primeiros a ler os manuais entretinham-se a relegar os colegas para estatutos em que a máquina só lhes passava cartão quando não tinha mesmo nada que fazer.
Chegou-se assim aos grandes sistemas de hoje, com centenas de utilizadores locais ou remotos, e com as suas máquinas virtuais que nos dão a ilusão de termos o computador todo só para nós (isto quando o dimensionamento foi correcto pois de contrário em vez de tempo de resposta temos os famigerados prazos de entrega).
Esta breve recapitulação histórica tem como objectivo transmitir aos mais jovens um "cheirinho" das vicissitudes por que passaram os colegas que, como agora parecerá lógico, têm alguns cabelos brancos. As vicissitudes que todos nós, velhos e novos, partilhamos agora com as ultimas palavras da tecnologia ficam para outra ocasião.
Mas vale a pena colocar uma outra questão pertinente depois desta breve viagem pelo passado. Quantas linguagens, comandos e truques foram ficando pelo caminho ?
Quantas palavras-chave, parâmetros e códigos tivemos que aprender para depois esquecer ao longo das nossas vidas ?
Todos os Sistemas Operativos e Arquitecturas foram anunciados com fanfarras de genialidade eterna para morrerem quase de vergonha alguns anos (ou mesmo meses) mais tarde.
Dir-nos-ão que o saber não ocupa lugar. Nada mais demagógico. Com excepção de uma certa disciplina na análise dos problemas pode dizer-se que os conhecimentos que adquirimos (quantas vezes a mata cavalos) não podem ser considerados conhecimento no sentido nobre do termo.
Sentimo-nos um pouco como alguem que tendo aprendido alemão descobrisse algum tempo depois que já ninguem falava tal lingua. Depois aprendesse francês e constatasse que os franceses eram um povo em vias de extinção e assim sucessivamente.
Temos que invejar os velhos camponeses que nem com a esquisitice de um tractor perdem a face perante os netos. Nós temos experiências muito mais traumatisantes com os nossos putos e os seus "pokes".
Quem nos devolve as horas e mesmo noites que mergulhamos nos "traces" de programas cheios de ;,<,),&,%,#,$ ? Como vamos recuperar da erosão provocada por vagas sucessivas de lixas informáticas sobre as nossas memórias pessoais ? Nós fomos a argamassa de todos os "ease of use, "user friendly", linguagens de query, interfaces em linguagem natural, sistemas periciais e outras iguarias com que se empanturram os utilizadores actuais. Que captemos ao menos a lição dos factos e passemos a olhar com maior bonomia o que temos que aprender hoje. Não podemos fechar os olhos, e o espírito, ao mundo em que vivemos sob pena de virmos a ser os velhos mais ignorantes da história da humanidade.
segunda-feira, 1 de setembro de 2008
Retrato Robot de um Informático
Publicada por
F. Penim Redondo
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1 comentário:
Ó Fernando, mais uma vez vens por "o dedo na ferida", lembrando este texto que já me impressionara há anos, pois ele reflete numa página trinta e três anos da minha vida, se descontarmos alguns tempos dedicados aos números e à gestão dos fundos da "madrinha". Efectivamente, sou "uma memória de lixo" e informáticamente valho menos do que o meu neto de 12 anos. Por isso, continuo a aprender e jamais afirmo: isso já eu sei! Aposto agora naquilo que as universidades séniores chamam "a troca de saberes". O prazer de aprender ou ensinar continua...
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