sexta-feira, 12 de outubro de 2007

O fenómeno "CT da IBM"



Existiu Comissão de Trabalhadores na IBM, ininterruptamente, nos vinte anos decorridos entre 1974 e 1994; desde a Comissão Executiva nascida nos alvores do PREC até à sua versão madura que em 1993 ainda tinha energia para realizar o paradigmático “Inquérito – Imagem da Gestão” (uma assembleia de voto em que os empregados classificaram os membros do "Board of Directors").

A primeira questão que se levanta é a de perceber o porquê da persistência desta estrutura representativa dos trabalhadores, muito para além do prazo que as condições salariais e profissionais, as características da empresa e a prática nas suas congéneres permitiriam augurar.

Em nosso entender as razões, sendo múltiplas, deverão ser enquadradas pelos seguintes factos:

- O estilo de funcionamento da CT consistiu na disputa, à hierarquia da IBM, da influência sobre a “opinião pública” evitando cuidadosamente a radicalização dos processos e apostando na credibilidade da comunicação. A única excepção a esta regra foi o “caso das grelhas” ocorrido em 1984 e que só foi resolvido por acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1994.

- As “bandeiras reivindicativas” empunhadas pela CT ao longo dos anos acompanharam de perto, e adaptaram-se, às vicissitudes económicas da empresa

- As relações profissionais e os padrões de desempenho típicos da IBM constituíram uma “base cultural” favorável ao funcionamento consistente da Comissão de Trabalhadores.

- A célula do PCP, organização que mais velou pela sobrevivência da CT da IBM mesmo quando brevemente na “oposição”, revelou uma peculiar coesão e persistência.

- Passado o período inicial do PREC a actividade da CT foi sistematicamente isolada das vicissitudes partidárias e respeitou escrupulosamente o seu carácter “reivindicativo” embora a influência dos partidos continuasse sempre subjacente.

Vinte anos depois do 25 de Abril era já possível constatar, através dos resultados dos “Opinion Survey”, uma notória transformação na “consciência colectiva” dos empregados da IBM no que toca às relações com o seu empregador. Uma atitude condescendente e receptiva ao paternalismo ainda maioritária durante o PREC tinha dado lugar, no início dos anos 90, a uma notória ansiedade quanto ao futuro e a muitas dúvidas sobre a capacidade da empresa para vencer as dificuldades trazidas pelos novos condicionalismos do mercado.

Se é verdade que essa transformação não resultou exclusivamente da acção da CT também é verdade que, sem o seu trabalho de perspectivação, a profundidade das mudanças de mentalidade poderia ter sido menor.

Apesar de terem mantido sempre invejáveis níveis salariais e um generoso leque de benefícios sociais os trabalhadores da IBM foram tomando consciência do carácter excepcional das vantagens competitivas da sua empresa e habituaram-se a “subir a fasquia” de acordo com a dimensão invulgar que os resultados líquidos anuais iam patenteando. Para isso contribuiu a permanente atenção da CT relativamente às empresas nacionais congéneres e às sucursais da IBM noutros países, no âmbito do “sindicato internacional” IWIS – IBM Workers International Solidarity.

Quando no fim dos anos oitenta as vicissitudes do mercado e da tecnologia interromperam uma prosperidade que parecia acima de qualquer suspeita e a empresa teve que lutar pelo seu lugar de leader e, quem sabe, pela própria sobrevivência as reivindicações passaram a centrar-se na qualidade da gestão e na protecção dos trabalhadores contra a tentação de conseguir soluções fáceis sacrificando as regras de respeito pelo indivíduo que sempre tinham constituído património da IBM.

Embora a participação nas votações tenha diminuído ao longo do tempo é curioso verificar que os elementos eleitos para a CT pela lista vencedora obtiveram um número de votos idêntico em 1984 (no auge das disputas entre listas de “direita” e de “esquerda”) e em 1992 (quando oito anos depois já só a lista de “esquerda” concorria às eleições sem oposição).
Foi essa “base eleitoral” activa de cerca de 230 trabalhadores que permitiu manter a Comissão de Trabalhadores até 1994, correspondendo à necessidade de representação colectiva num período em que as mutações sociais e tecnológicas eram cada vez mais interpretadas como fontes de instabilidade.

A história deste percurso constitui demonstração, ao arrepio das concepções vulgares, de que é possível desenvolver uma actividade consequente de tipo sindical mesmo quando os destinatários auferem salários e regalias sociais muito superiores à média.
Os efeitos de tal actividade podem não ser decisivos para o efectivo nível de vida dos trabalhadores mas são certamente um grande salto na consciência da relevância da sua contribuição profissional para o processo de criação de valor.

4 comentários:

Anónimo disse...

Os nossos colegas que por militancia mantiveram ao longo dos anos viva a CT, deram um contributo extraordinário em muitas frentes; ajudaram a formar uma consciência colectiva, ajudaram a perceber que sem uma atitude de reevindicação permanente e atenta, muito do que tinhamos por adquirido poderia ser perdido, e provavelmente alguma coisa do que ainda hoje ficou se deve a esse trabalho atento e persistente. Por isso aqui fica o meu testemunho e o meu bem hajam a todos que por lá passaram

Madeira de Castro disse...

Comoveu-me a leitura deste blog, no qual se todos participarmos activamente constituirá um memorial vivo das muitas referências que encontrei naquela empresa.

Gloriosos tempos de luta e de amizades.

Daniel Madeira de Castro, Pippi

Mariano Garcia disse...

Também sustento a convicção de que o trabalho da Comissão de Trabalhadores na IBM, foi um verdadeiro despertar da consciência colectiva, que trouxe patentes benefícios de ordem geral ao longo dos 20 anos da sua existência. Nem as disputas de cariz político, que envolveram algumas vezes as eleições da CT, diminuiram a sua real importância no contexto da nossa população laboral.
Com o à vontade de quem afirmou sempre a sua independência partidária, mas acompanhou de muito perto e com o maior interesse o seu trabalho ao longo dos anos, presto homenagem ao esforçado trabalho de todos os colegas que garantiram tão longa vida à CT, porque sem ela talvez as coisas tivessem corrido pior para muitos de nós.
P.S. Uma saudação especial à chegada do Daniel (pipi).

Júlio Branco disse...

Quero deixar aqui bem patente, que o seguidores desta Comissão de Trabalhadores, deram continuidade naquilo que poderam e no seu todo, até meados do ano 2000.
De salientar que todo o background da Comissão de Trabalhadores seguidora foi adquirido pelos cessantes.
A partir dos meados do ano 2000, até à presente data, penso eu, nunca mais foi formada uma Comissão Representativa dos Trabalhadores, porque será?
Deixo esta pergunta no ar.
Um grande abraço ao Daniel, finalmente aparece e que sejas bem vindo.
Júlio Branco